segunda-feira, 19 de julho de 2010

Sem comentarios sobre a Copa 2010, mas roubei integralmente o texto do sambista, escritor Nei Lopes (será que vai me perdoar). Segue:

DESRACIALIZANDO A COPA

Com a Copa, o Lote acabou sabendo que o futebol chegou primeiro na África do Sul, e só depois no Brasil.
Só que lá, a bola custou mais a chegar aos pés dos negros. E, aqui, embora até o advento do apartheid as coisas não fossem muito diferentes, o vigoroso esporte bretão contou com a par­ti­ci­pa­ção de jogadores ­afro-bra­si­lei­ros, embora com res­tri­ções, ain­da nos tem­pos do ama­do­ris­mo.
Tal foi o ca­so do Bangu Atlético Clube, fun­da­do no Rio de Janeiro em 1904 na co­mu­ni­da­de da célebre fá­bri­ca de te­ci­dos, e no ­qual ­atuou, já no pri­mei­ro cam­peo­na­to ca­rio­ca, em 1906, o go­lei­ro Manoel Maia, o pri­mei­ro ­afro-des­cen­den­te a in­te­grar uma equi­pe de fu­te­bol no Bra­sil. Incomodada com isso, a Liga Metropolitana, no ano se­guin­te, proi­bia o re­gis­tro de atle­tas ne­gros, nu­ma de­ci­são de­pois re­vo­ga­da. Mas, em fe­ve­rei­ro de 1924, em re­pre­sá­lia a clu­bes, co­mo o Vasco da Gama, que aco­lhiam “jo­ga­do­res ne­gros e mu­la­tos, sem em­pre­go fi­xo”, Fluminense, Flamen­go, Botafogo e ou­tros aban­do­na­vam a Liga de Futebol e fun­da­vam a Associação Metropoli­tana de Esportes Atléticos.
Tal tipo de ação e consequente reação verificava-se em várias partes do país. No Rio Grande do Sul, por exemplo, em 1915, na capital, e quatro anos depois, em Pelotas, surgiam, como reação à discriminação, respectivamente, a chamada “Liga da Canela Preta” e a Liga José do Patrocínio, para congregar os clubes de futebolistas negros. Com a ins­ti­tui­ção gra­dual do pro­fis­sio­na­lis­mo, a par­tir de 1933, pre­tos, mu­la­tos e po­bres em ge­ral co­me­ça­ram a ser ad­mi­ti­dos nos clu­bes bur­gue­ses, mas ain­da den­tro de uma hie­rar­qui­za­ção que dis­tin­guia cla­­ra­men­te os atle­tas (só­cios dos clu­bes) dos jo­ga­do­res (em­pre­ga­dos). Completa­mente pro­fis­sio­na­li­za­do, o fu­te­bol fi­nal­men­te tor­nou-se um dos ­mais im­por­tan­tes veí­cu­los de mo­bi­li­da­de so­cial dos ne­gros. Reconhecido mun­dial­men­te, du­ran­te mui­to tem­po, co­mo uma es­pé­cie de ar­te, per­mea­da de mo­vi­men­tos in­cons­cien­te­men­te her­da­dos do sam­ba e da ca­poei­ra, o fu­te­bol bra­si­lei­ro re­ve­lou o ta­len­to de in­con­tá­veis jo­ga­do­res ­afro-des­cen­den­tes, boa par­te de­les ver­be­ti­za­da ao lon­go des­ta ­obra. Em ju­lho de 1999, na Copa das Confederações, no México, o Brasil apre­sen­ta­va, pe­la pri­mei­ra vez, uma se­le­ção in­te­gra­da ex­clu­si­va­men­te por jo­ga­do­res ne­gros.
Na Copa de agora, caladas as discussões sobre a europeização do estilo brasileiro de jogar futebol, em função da exportação em massa de jogadores profissionais ainda adolescentes, principalmente para países do Mercado Comum Europeu, temos também uma seleção predominantemente afrodescendente. O que, cá entre nós, já não quer dizer nada, porque até o time da Alemanha tem crioulo.
Afinal, ser sambista doente do pé e boleiro ruim de bola nunca foi privilégio de ninguém, não é mesmo?

fonte: Meu lote - Nei lopes
Nei Lopes em video de 1979 numa homenagem para Candeia:
http://www.youtube.com/watch?v=Y8i0YDhujbg