Sem comentarios sobre a Copa 2010, mas roubei integralmente o texto do sambista, escritor Nei Lopes (será que vai me perdoar). Segue:
DESRACIALIZANDO A COPA
Com a Copa, o Lote acabou sabendo que o futebol chegou primeiro na África do Sul, e só depois no Brasil.
Só que lá, a bola custou mais a chegar aos pés dos negros. E, aqui, embora até o advento do apartheid as coisas não fossem muito diferentes, o vigoroso esporte bretão contou com a participação de jogadores afro-brasileiros, embora com restrições, ainda nos tempos do amadorismo.
Tal foi o caso do Bangu Atlético Clube, fundado no Rio de Janeiro em 1904 na comunidade da célebre fábrica de tecidos, e no qual atuou, já no primeiro campeonato carioca, em 1906, o goleiro Manoel Maia, o primeiro afro-descendente a integrar uma equipe de futebol no Brasil. Incomodada com isso, a Liga Metropolitana, no ano seguinte, proibia o registro de atletas negros, numa decisão depois revogada. Mas, em fevereiro de 1924, em represália a clubes, como o Vasco da Gama, que acolhiam “jogadores negros e mulatos, sem emprego fixo”, Fluminense, Flamengo, Botafogo e outros abandonavam a Liga de Futebol e fundavam a Associação Metropolitana de Esportes Atléticos.
Tal tipo de ação e consequente reação verificava-se em várias partes do país. No Rio Grande do Sul, por exemplo, em 1915, na capital, e quatro anos depois, em Pelotas, surgiam, como reação à discriminação, respectivamente, a chamada “Liga da Canela Preta” e a Liga José do Patrocínio, para congregar os clubes de futebolistas negros. Com a instituição gradual do profissionalismo, a partir de 1933, pretos, mulatos e pobres em geral começaram a ser admitidos nos clubes burgueses, mas ainda dentro de uma hierarquização que distinguia claramente os atletas (sócios dos clubes) dos jogadores (empregados). Completamente profissionalizado, o futebol finalmente tornou-se um dos mais importantes veículos de mobilidade social dos negros. Reconhecido mundialmente, durante muito tempo, como uma espécie de arte, permeada de movimentos inconscientemente herdados do samba e da capoeira, o futebol brasileiro revelou o talento de incontáveis jogadores afro-descendentes, boa parte deles verbetizada ao longo desta obra. Em julho de 1999, na Copa das Confederações, no México, o Brasil apresentava, pela primeira vez, uma seleção integrada exclusivamente por jogadores negros.
Na Copa de agora, caladas as discussões sobre a europeização do estilo brasileiro de jogar futebol, em função da exportação em massa de jogadores profissionais ainda adolescentes, principalmente para países do Mercado Comum Europeu, temos também uma seleção predominantemente afrodescendente. O que, cá entre nós, já não quer dizer nada, porque até o time da Alemanha tem crioulo.
Afinal, ser sambista doente do pé e boleiro ruim de bola nunca foi privilégio de ninguém, não é mesmo?
fonte: Meu lote - Nei lopes
Nei Lopes em video de 1979 numa homenagem para Candeia:
http://www.youtube.com/watch?v=Y8i0YDhujbg